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Gonçalo Teles
12 abril 2024, 07:00
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Quase 70 crianças e jovens "invisíveis" estavam em situação de rua em 2023

Quase 70 crianças e jovens "invisíveis" estavam em situação de rua em 2023
Gonçalo Teles
12 abril 2024, 07:00
Esta sexta-feira é Dia Internacional das Crianças de Rua: desde 1989, o Projeto Rua do Instituto de Apoio à Criança já ajudou quase 40 mil.

No último ano, o Instituto de Apoio à Criança (IAC) identificou 68 crianças e jovens dos zero aos 18 anos de idade em situação de rua. São situações em que a família, ou o contexto de casa ou instituição de acolhimento, deixam de garantir o apoio e as referências de que estes precisam, o que acaba por deixá-los numa situação de "invisibilidade".

Estas crianças "são aquelas onde tudo já falhou, são realmente esquecidas pela sociedade e, por si só, congregam quase todas as tipologias problemáticas: desde a violência doméstica à violência sexual, desde o abandono escolar ao absentismo, violência entre pares e conflitos familiares", aponta a a coordenadora do Projeto Rua do IAC, Matilde Sirgado.

A faixa etária que mais preocupa é a dos 12 aos 18 anos e a ligação com as famílias ou instituições de acolhimento pode levar a uma fuga, incluindo de casa, como aconteceu em 15 das situações identificadas.

Os vínculos com as famílias são "muitas vezes" precários e surgem associados a um contexto familiar de "crise económica acentuada" e de vivência em "bairros com condições mais adversas", mas também a episódios de "violência doméstica".

Outro dos fatores de risco é a influência dos pares, como "outros jovens que estão em ociosidade e entregues a si próprios" ou "adultos sem escrúpulos que têm e que promovem comportamentos ilícitos". 

Em muitos casos, mesmo que as famílias se mostrem disponíveis para tentar a reinserção destes jovens, estas estão também muitas vezes "ligadas às estratégias de sobrevivência e têm trabalhos muito precários", fruto de dificuldades económicas, e têm "alguma pobreza de valores por falta de referências positivas", pelo que "acabam por não conseguir desenvolver o seu papel de garante, de protetor e também de responsáveis pelo processo de socialização".

E para estar em situação de rua, uma criança ou jovem não precisa de não ter casa: "Temos as crianças que estão, por exemplo, no bairro, ainda com o vínculo com a família, mas entregues a si próprias enquanto os pais vão trabalhar de madrugada, em limpezas, em trabalho explorado e precário." Nestes casos ficam "entregues entre pares, cuidando umas das outras sem competências para o fazer e com os riscos da própria adversidade do bairro, como o convívio com a droga ou o convívio com as barreiras físicas".

O projeto de acompanhamento destas crianças em situação de rua existe desde 1989 e atua sobretudo através da prevenção, tanto de proximidade como em meio escolar.

De acordo com os dados que o IAC recolheu, deixou de haver um sítio no país com especial incidência de fuga dos jovens, algo que tem dificultado o trabalho das equipas de acompanhamento.

Se suspeitar que há uma criança em risco na rua, pode ligar 116 000 ou 116 111.

O Projeto Rua já ajudou quase 40 mil crianças e jovens, além de outras 1784 que foram acompanhadas pela equipa da comunidade de fuga.

Este projeto pretende “contribuir para a diminuição do número de crianças, adolescentes e jovens em risco e/ou perigo, promovendo a sua reinserção sociofamiliar”.

A atividade do IAC não se resume ao Projeto Rua e, no global, o organismo identificou 81.398 beneficiários, dos quais mais de 25.500 utentes diretos, que se dividem entre 14.471 crianças, 6859 famílias e 4187 interventores sociais.

Houve 834 casos acompanhados pelo serviço jurídico do IAC, sobretudo por causa de questões relativas à regulação das responsabilidades parentais, legislação ou por situações de perigo.