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Gonçalo Palma
06 novembro 2020, 09:30
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JP Coimbra: Porto com vista para fora

JP Coimbra: Porto com vista para fora
Bruno Nacarato
Gonçalo Palma
06 novembro 2020, 09:30
Sai hoje o álbum "VIBRA". Entrevista ao mentor dos Mesa.

JP Coimbra lança nesta sexta-feira o seu álbum de estreia em nome individual, "VIBRA". Descolou-se da pop dos Mesa para rumar para a erudição eletrónica. Fez do Porto o seu instrumento maior, ouvindo os seus abanões, em vários espaços: uma estação do metro, um rio subterrâneo, ou a Casa da Música... Ou a Invicta como a cidade da música, ou do cinema, porque cresce em JP Coimbra um compositor de bandas sonoras. "VIBRA" é também o Porto com vista para fora de Portugal. O disco, apoiado por várias instituições públicas, vai ser editado lá fora no próximo ano.

Ouvido "VIBRA", ouvida a vibração do Porto, fomos agora ouvir o seu autor, João Pedro Coimbra, conhecido simplesmente como JP Coimbra. 

Normalmente, os artistas plásticos criam em função do espaço onde expõem. Sentiste o mesmo enquanto músico em "VIBRA"?
Sim, fui sugestionado por vários espaços, como a Casa da Música, a estação de metro do Marquês, Serralves. Recebi a influência acústica desses espaços. Nesse aspeto, houve surpresas e coisas com que não estava a contar, que tiveram que ser contornadas mas que fizeram parte do processo que, no cômputo geral, funcionou muito bem.

 

Todos estes espaços são do Porto, certo? 
Todos, incluindo a estação do Marquês que fica na zona mais subida do Porto.

Um tema como o Old House será inspirado num palacete, por exemplo? A própria música é mais erudita.
Quando comecei a compor, os acordes que me começaram a surgir remetiam para um palácio meio abandonado, ou como um filme como o "Sunset Boulevard" ["O Crespúsculo dos Deuses", de 1950]. Eu acho o tema um bocado cinemático e às vezes faço-me valer dessas imagens quando estou a compor. 

O álbum tem sempre vista para o Atlântico, não é? Sente-se uma certa maresia, como, evidentemente, no 'Waves'.
A água é também um material sonoro. Falaste do 'Waves' mas há outro tema, que fecha o disco, 'Maybe Next Time', que era para ser inspirado num rio subterrâneo do Porto, o rio de Vila, que vai da Estação de São Bento até à Ribeira. Esse espaço está a ser convertido e em obras e o único acesso era através de uma tampa de saneamento. Quando fui fazer a vista técnica, percebi que era impossível levar para lá músicos e instrumentos. Tive que levar galochas, aquilo estava impossível. Fiquei um pouco triste porque é um sítio lindíssimo que sonicamente podia ficar interessante, porque são umas galerias de estilo românico. Lembrei-me que o 'Maybe Next Time' me sugeria água e que tinha feito um vídeo nessa visita técnica para mostrar ao Vasco Mendes para o seu documentário, e ao João Brandão, que andou a filmar. Nesse vídeo, acabei por aproveitar o som da água, como acompanhamento do tema. É o único tema do disco em que o espaço não foi gravado em simultâneo. Foi algo que foi posto a posteriori

Há quanto tempo estás neste projeto?
Idealizei-o no final de 2018. Como é um projeto grande na sua organização, que implicou meios como equipas técnicas e músicos, tive que idealizar tudo antes, como nunca tinha acontecido comigo, incluindo a composição. Foi engraçado. 

Sendo "VIBRA" um disco tão baseado no Porto, nunca pensaste em fazer referências mais diretas aos espaços da cidade nos títulos?
Isso não me ocorreu. Preferi deixar isso para o imaginário das pessoas. Estes temas são um retrato sonoro. Sei que em alguns temas, vai ser difícil as pessoas perceberem o local onde foram captados. Mas o 'Old House' ou o 'Impermanence', para quem estiver inteirado sobre a escadaria de entrada para a Casa da Música, vai reconhecer a acústica. O objetivo era esse: o de criar pratos sonoros da cidade, mais do que espelhá-los nos títulos das canções.

Porquê os títulos das músicas em inglês?
Aconteceu, começaram a sair dessa forma. Não há uma razão muito concreta, podia ter posto em português. Achei que seria mais coerente fazê-lo desta forma, em inglês, porque o disco vai ser editado no estrangeiro para o ano e assim facilita essa comunicação. O facto de não estar cantado permite que a música seja uma linguagem universal. E o inglês é uma linguagem universal.

Qual foi a sensação de teres tanta gente sob o teu comando artístico?
Exigiu muito trabalho e preparação, porque não é algo que esteja habituado a fazer. Tive que escrever partituras a pensar até que ponto funcionariam naqueles sítios. E não tínhamos muito tempo em cada sítio. Para te dar uma ideia, na estação de metro do Marquês, não autorizam que fique aberto depois do horário do funcionamento. Neste caso, foram incansáveis e permitiram que a estação estivesse aberta para lá do seu horário. Começámos a gravar às duas da manhã, o que é um grande esforço para músicos de orquestra, com um horário muito apertado na Casa da Música. E ficaram acordados até àquela hora para gravar. E depois só tínhamos uma hora para gravar. Começámos a montar tudo às 11h00 da noite, enquanto as pessoas ainda andavam a passear nas escadas rolantes, a descer de um lado para o outro, enquanto montávamos o nosso aparato. Quando a estação ficou finalmente silenciosa, chamámos os músicos, alguns deles estavam a dormir nos carros, para gravar. Foi stressante, mas a equipa era muito boa e o planeamento foi muito bem feito. Também tive a ajuda do Bruno Martins para dirigir o ensemble. Quando tens pessoas dedicadas e uma boa equipa a trabalhar contigo, a coisas acontecem. O trabalho nunca é fruto só de uma pessoa. Sozinho, jamais teria conseguido fazer isto.

Quando é que podemos ver esse documentário sobre “VIBRA”?
A ideia é terminá-lo com o concerto na Casa da Música, a 22 de novembro. Esse concerto é o culminar de todos estes meses de trabalho. O documentário passa pelo meu trabalho de estúdio. Segue-me a mim, aos músicos e aos técnicos no estúdio, a gravar, e a ideia é terminá-lo com o concerto na Casa da Música. Acho que [o documentário] estará disponível por volta de janeiro ou fevereiro de 2021. 

 

Vamos ter cada vez mais o JP Coimbra como compositor de bandas sonoras?
É uma coisa que gosto bastante. Adoro o trabalho do disco. É bom quando trabalhas sobre algo que já está feito. Já fiz bandas sonoras, já trabalhei para peças de teatro, nunca fiz nada para dança mas gostava bastante. Espero encontrarem-me no futuro ligado a essas áreas. 

Já anda na tua cabeça um segundo álbum em teu nome?
Já começo a pensar nisso, há temas que ficaram de fora deste disco, não porque achasse que não estavam à altura dos restantes temas, mas porque achei que não faziam sentido ou porque não os consegui terminar. Quero muito lançar um novo disco, acho que descobri uma linguagem para mim, em que posso dar continuidade. Quando fiz o 'From Afar', percebi que tinha descoberto uma nova linguagem que pudesse estender para um disco.