Ouça a M80, faça o download da App.
Silvia Mendes
18 maio 2023, 05:35
Partilhar

Coldplay em Coimbra: um espetáculo grandioso, luminoso e movido a amor renovável

Coldplay em Coimbra: um espetáculo grandioso, luminoso e movido a amor renovável
Rúben Viegas
Silvia Mendes
18 maio 2023, 05:35
E um coro infinito de vozes debaixo de um céu de onde choveram estrelas. Foi a primeira noite da banda inglesa na cidade dos estudantes.

Os Coldplay deram hoje o primeiro dos quatro concertos marcados para o Estádio Cidade de Coimbra e inseridos no circuito "Music of the Spheres" - a digressão com "ambição interplanetária" e amiga do ambiente em todos os seus ecopormenores.

É a digressão que incentiva o público a alimentar a energia de um dos palcos para o próximo espetáculo, com recurso a saltos entusiasmados nas pistas de dança cinéticas ou ao uso de uma série de bicicletas elétricas. Além das duas atividades totalmente entregues à boa vontade dos fãs, ainda vimos painéis solares a aproveitar a bênção solarenga de um dia de maio. 

A tour, que planta uma árvore por cada bilhete vendido, é ecológica e chegou a solo português para semear a maior verdade de todas: a energia do amor move-nos para um lugar bom, transforma, reconstrói e harmoniza as diferenças. Resta-nos acreditar nos superpoderes do nobre sentimento sobretudo quando o mundo nos parecer mais distorcido, assustador e vazio de esperança. "Acreditem no amor" foi, aliás, a frase que ficou a pairar no ecrã gigante central no final do concerto e na hora da dura debandada dos milhares que correram para os braços dos Coldplay assim que puderam. O final feliz para um concerto feliz

Amanhã, dia 18, e nos dias 20 e a 21, o estádio coimbrense volta a ser o centro do cosmos colorido e sustentável do grupo inglês, mas, fica no ar a sensação de que a experiência soa a única. Há uma razão para isso. Uma razão não, um homem: Bruce Springsteen. Nós explicamos. É que, antes de entrar em palco, o músico de Nova Jérsia lembra a equipa que o concerto que estão prestes a dar pode ser o primeiro ou o último de alguém. Chris Martin, que tem um respeito colossal pelo artista histórico norte-americano, agarrou o "mantra" e aplicou-o aos concertos dos Coldplay. 

Tal atitude, que também se chama grandeza, sente-se na pele e em todo o estádio. Sente-se nos rostos, nas lágrimas teimosas que não se seguram, nos sorrisos abertos e sem idade - dos mais novos aos mais velhos - na cantoria bem alinhada e nos braços iluminados que tantas vezes se ergueram para o céu. O concerto desta noite, polvilhado por fogo de artifício, confetti e "poeira cósmica", teve tudo para se acomodar na zona luzidia das memórias. Será que os fãs vão recordar a experiência para sempre? Talvez. É que também não há finitude no sistema planetário dos Coldplay. 


Cerca de 50 mil pessoas estarão, por esta altura, com os ossos ainda energizados, as almas radiantes e as vozes roucas, a querer descansar de tanta euforia. Ver tanta gente feliz é um privilégio e revitaliza. E esta nunca poderá ser uma nota de rodapé nesta reportagem até porque proporcionar este fluxo de felicidade aos fãs é talvez o maior propósito da banda inglesa. Preservar a conexão com eles é o outro.  

Chris Martin, Jonny Buckland, Guy Berryman, Will Champion entraram em cena quando o dia já estava a escurecer. Os quatro músicos fizeram o caminho pelo relvado, ao lado das pessoas que estavam mais perto do palco, acenando a todas, ao mesmo tempo que iam percorrendo a linha da língua que unia dois dos três palcos. 

A voar das colunas, enquanto os quatro músicos faziam a entrada em cena, vinha 'Flying Theme', o clássico da banda sonora do filme "E.T.", de 1982. A memória dos afetos estremeceu com o mimo nostálgico, mas, logo depois, a nave do tempo transportou os milhares que ali estavam para 2021.

A energética 'Higher Power', do disco mais recente que dá nome à digressão, abriu o concerto e fez explodir, sem pudor, o primeiro set de fogo de artifício. Enquanto o afável Chris Martin soltava a boa energia, a dançar e a andar pela língua do palco, os restantes foram assumindo as posições do costume no palco principal: Jonny Buckland na guitarra, Guy Berryman no baixo e Will Champion na bateria.

A dança coletiva continuou com 'Adventure of a Lifetime', altura em que se soltaram do céu (ou de outro sítio qualquer) esferas de várias cores, que ficaram a saltitar em cima do público. Veio a seguir o hit 'Paradise' que o frontman britânico encetou sentado no palco para momentos mais tarde já estar enrolado na bandeira portuguesa, a sussurrar o refrão a capella e a chamar pelas vozes de quem tinha à volta e aos pés. As glórias radiofónicas iam avolumando o alinhamento, à medida que a noite também ganhava a sua forma natural.

A baladona 'The Scientist', cantada ao piano, antecedeu as primeiras palavras em português de Chris Martin. "Boa noite, meus amigos. A nossa família portuguesa. Estamos muito agradecidos. Obrigado pelo esforço que fizeram para estarem aqui connosco, mesmo com o trânsito e com outros problemas. Estamos muito felizes por estarmos aqui, em Coimbra", disse o músico britânico, que, mesmo depois de tantos anos nisto, mantém a chama e o sorriso de puto. 

A festiva 'Viva La Vida' e 'Hymn for the Weekend' vieram a seguir e quem chegou depois desses dois temas foi o Lourenço. O jovem fã de Lisboa exibia num cartaz o sonho de tocar ao piano a canção 'The Hardest Part', de 2005, tema que os Coldplay não têm incluído nos alinhamentos. O atento Chris Martin viu-o, chamou-o e passou-lhe o piano para as mãos não sem antes tirar os confetti que estavam em cima das teclas, para que os papelinhos coloridos não atrapalhassem as proezas musicais do corajoso Lourenço.



Ao longo da noite, as canções mais antigas foram se entrelaçando com as novidades. Todas elas na ponta da língua dos fãs. Coimbra ouviu 'In My Place', 'Yellow', 'Human Heart', 'People of The Pride', 'Clocks', 'Infinity Sign' e 'Something Just Like This'. "Está a ser a melhor experiência que tivemos em Portugal", afiançou o vocalista que ainda entregou a voz e a energia a canções como 'My Universe' ou 'A Sky Full of Stars', esta última com poder para provocar uma chuvada de estrelas de papel em todo o recinto.

As relíquias 'Sparks' e 'Don't Panic', do disco "Parachutes" (os primórdios dos Coldplay), foram tocadas no terceiro palco, posicionado na outra extremidade do relvado, e a 'Balada da Despedida' (fado icónico de Coimbra) meteu 50 mil pessoas (Chris Martin incluído) a cantar e a sentir em português. 

"Numa altura em que o mundo está um pouco assustador, temos o privilégio de estarmos juntos", disse Martin, a dada altura. 'Humankind' abriu o set final e quase na hora da despedida, ainda testemunhámos o sprint convicto e o salto de fé que o guerreiro Chris Martin incorpora no manifesto claro de amor que é a balada 'Fix You'. A bonita e inocente 'Biutyful', do disco mais recente, ficou para o final.

"Acho que foi o concerto da minha vida" , ouvimos à saída. Caso para dizer: "Chris e companhia, you did it".