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Redação
27 julho 2023, 02:10
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Ben Harper no Cool Jazz: momentos luminosos em Cascais

Ben Harper no Cool Jazz: momentos luminosos em Cascais
Rúben Viegas
Redação
27 julho 2023, 02:10
O norte-americano atuou esta noite na 18ª edição do Cool Jazz. O Hipódromo Manuel Possolo esteve cheio para recebê-lo.

A 18ª edição do Cool Jazz decorre no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, até dia 29 de julho. Será a norte-americana Norah Jones a fechar o festival que este ano teve nomes como Lionel Richie, Kings Of Convenience, Snarky Puppy ou Van Morrison a iluminar o cartaz. Amanhã, 27 de julho, será o português Tiago Bettencourt a subir ao palco do evento - uma ocasião especial que o músico vai aproveitar para celebrar os 20 anos da carreira a solo que abraçou depois da experiência com os Toranja. Será a cantora Nena a assegurar a primeira parte. No último dia do festival, na sexta-feira, caberá a João Só abrir para a "repetente" Norah Jones, que atuou ali em 2018.  

Mas há outro nome que iluminou o cartaz deste ano: o do senhor Ben Harper. Com os seus Innocent Criminals. Apesar de já ter atuado em vários palcos portugueses - coisa que faz desde 1996 - foi a primeira vez que o norte-americano atuou no festival de Cascais. A receção foi calorosa, com as palmas a multiplicarem-se por todos os cantos do hipódromo, assim que os cinco prodigiosos músicos entraram em palco. Ben Harper chegou de gorro vermelho e de sorriso aberto. A boa disposição foi permanente. "Que linda noite!", exclamou a dada altura para o vasto público que tinha aos pés.   
 
Com 30 anos de estrada e 16 discos, o músico já deu mais de duas dezenas de concertos em solo português. O multi-instrumentista, que gosta de andar de skate na Praça da Figueira, em Lisboa, continua a orquestrar viagens musicais diferentes, sem, com isso, macular a identidade musical que cristalizou ao longo dos anos. Prolífico, amante das ondas e um filantropo preocupado com o estado do mundo, Ben Harper continua a "apropriar-se" de várias possibilidades musicais para acolchoar as mensagens que quer transmitir - coisa que faz com a voz aveludada e as proezas à(s) guitarra(s). 

A última viagem que transpôs para disco, por exemplo, é uma jornada mais acústica, intitulada "Wide Open Light", muito ao jeito do mais cru "Welcome To The Cruel World", o disco de estreia que lançou em 1994. Houve, aliás, uma série de diamantes acústicos que, esta noite, nos aconchegaram debaixo da beleza elementar de uma canção com apenas voz e guitarra.

O alinhamento do concerto, que se estendeu por pouco mais de hora e meia, passou por canções dos vários discos, como se Ben Harper quisesse fazer um balanço da sua própria criação. 'Below Sea Level' (do disco "Bloodline Maintenance" de 2022) foi a primeira a ser escutada no recinto de Cascais. O tema lembrou uma espécie de evocação espiritual, com os músicos em linha e em sentido. Ben Harper cantou-a com a mão ao peito até ao momento em que se afastou do microfone e soltou a voz para o meio do público. 'Below Sea Level' cresceu no palco sem instrumentos e ergueu-se apenas com a força harmónica das vozes.

 

Pulo para 2003 e uma entrada serena na mais antiga (e popular) 'Diamonds On The Inside' que foi acolhida com franco entusiasmo pelo público até abrir, fazer o seu caminho e terminar a capella. Não tardou até que Ben Harper metesse o pezinho no rock. 'Burn To Shine' brilhou a seguir em Cascais.  

'Don't Give Up on Me Now' e 'Finding Our Way', tema mais entrelaçado no reggae, e o mais afunkalhado 'Mama's Trippin' - do disco "The Will to Live" (de 1997) - seguiram-se na ordem de canções que estava pensada para Cascais. A radiofónica 'Steal My Kisses' democratizou a cantoria no recinto e a mais recente 'Need To Know Basis' - de "Bloodline Maintenance" - mereceu aplausos curiosos. 

A acústica e dorida 'Walk Away', resgatada do disco de estreia, foi tocada numa altura em que Ben Harper estava sozinho no palco, com a guitarra acústica ao colo e com vontade de desabafar. "Quando toco esta canção tenho de recuperar durante uns momentos, ainda é um trauma", disse a sorrir para depois contar a história da canção. "Estava nos 20 anos e tinha perdido o meu primeiro amor. Quando perdemos o primeiro amor parece que estamos a perder o último", confidenciou, ainda meio "combalido" com a memória, tendo depois explicado que compôs a canção, num ápice e quase em forma de purga, em casa dos pais. Silêncio sepulcral depois para se escutar o belo 'Waiting On An Angel' e para se assistir a um momento de pura cumplicidade entre Ben Harper e a guitarra que apoiava nos joelhos. O músico dedilhava e o público aplaudia.

'Giving Ghosts' - do recente "Wide Open Light" - antecipou 'She's Only Happy In The Sun', que devolveu o resto dos músicos ao palco.

"Há aqui namorados? Então dancem esta", disse o norte-americano que conseguiu pôr a dançar uma série de casais na pista improvisada. 

'Burn One Down' e 'Say You Will', esta com Ben Harper de mão cerrada ao peito, mereceram uma ovação do público de Cascais. 'Faded' desaguou num jam solitário mas energético do músico que diz ter encontrado na música o portal para a liberdade.

Ouviu-se depois o esperançoso e cheio de boa vontade 'With My Own Two Hands', que energizou Ben Harper ao ponto de o meter a "escalar" a bateria, a ajoelhar-se, a levantar as mãos para o céu e a dar um pujante salto no final. Saída de Ben Harper e da banda do palco para depois voltarem com uma surpresa, canção que não tem andado pelos alinhamentos desta digressão. Mas em Portugal fazia sentido ouvir e cantar (também em português) o tema 'Boa Sorte' que o norte-americano partilhou com a brasileira Vanessa da Mata. 

"Espero que, como ainda não falo português, possamos fazer um dueto", disse, em jeito de desafio. "Tive o privilégio de fazer um dueto com uma mulher e cantora extraordinária. A Vanessa da Mata. Espero que possam cantar a parte dela". E assim foi. Cascais em português, Ben Harper em inglês para um momento a dois que nem o público ou o próprio Ben Harper irão esquecer.