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Gonçalo Palma
01 julho 2024, 09:14
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Morreu Fausto Bordalo Dias, o viajante musical

Morreu Fausto Bordalo Dias, o viajante musical
DR (cortesia Media Sounds)
Gonçalo Palma
01 julho 2024, 09:14
Cantautor lendário é enorme referência para a música portuguesa.

Fausto Bordalo Dias morreu aos 75 anos de idade. O músico era também conhecido simplesmente como Fausto. O cantor é um dos maiores génios da música portuguesa, que fica eternizado pelas músicas de intervenção social e sobretudo pela trilogia de álbuns sobre as epopeias marítimas, iniciada pelo álbum seminal "Por Este Rio Acima" (de 1982).

Fausto é uma figura basilar da música portuguesa que se faz hoje. O compositor nasceu num barco, a meio caminho entre Portugal e Angola. E é no território africano que passa os 18 primeiros anos da sua vida. 

Mas apesar da sua origem africana, a música de Fausto torna-se cada vez mais portuguesa. Por razões políticas, Fausto integra o movimento de cantores de intervenção, apesar de muito marcado pela sonoridade anglo-saxónica, sobretudo os Beatles. E actua ao lado de Zeca Afonso e de outros músicos de intervenção pelo país fora ao longo dos anos 70.

Fausto começa a fazer nome com o álbum de estreia, de 1974, "P'ró Que Der E Vier", que é gravado antes do 25 de Abril mas publicado depois da Revolução dos Cravos.

Fausto Bordalo Dias foi um estudioso e praticante da rítimica tradicional portuguesa. A sua música é bem rica em percussão e toma a bateria e afins muitas vezes como fonte das canções. Essa preocupação de Fausto está bem vincada na trilogia das longas viagens marítimas dos portugueses em séculos passados.

Conhecido pelo seu perfeccionismo, Fausto preocupa-se cada vez mais com melhores condições ao vivo e cansa-se das actuações improvisadas, limitadas a três canções e a um discurso político, típico dos quentes anos 70. Em 1982, lança aquela que é a sua obra mais reconhecida, o já referido álbum duplo “Por Este Rio Acima”, que se inspira nas viagens transatlânticas de Fernão Mendes Pinto no século XVI.
 
Apesar de odiar viajar, é sobre grandes viagens que Fausto tem cantado. Amante da navegação, detesta a condução automóvel. Olha para a navegação como o meio de transporte natural dos portugueses.
Em "Por Este Rio Acima", Fausto ligou a máquina de tempo, fez-se ao mar bravo em caravelas imaginárias e cruzou-se com piratas.

Fausto é visto como o músico dos músicos. O cantor é respeitado e admirado pelos seus colegas de profissão, sejam compositores ou instrumentistas. Bebedor dos ritmos do folclore nacional, Fausto procura erguer a música popular portuguesa.
 
Apoia-se em bandas bastantes competentes e sabe atrair músicos de primeira qualidade. No álbum "Por Este Rio Acima", Júlio Pereira, por exemplo, é um dos músicos participantes, no cavaquinho e nas violas braguesa e acústica.
 
A excitação à volta deste álbum de 1982 coincide com o fim do boom do rock português. Também por causa da intervenção do FMI em Portugal, a chamada música de intervenção reconquista força e a atenção dos media, e as canções de “Por este Rio Acima” tornam-se familiares na nossa rádio.  

Fausto é minucioso em todos os aspectos, incluindo na orquestração, onde foi contando com o apoio de Eduardo Paes Mamede. É o que acontece em vários álbuns dos anos 80, como “O Despertar dos Alquimistas”, em que Fausto volta a gozar de alguma exposição graças ao tema 'O Coça-Barriga'. 

Com Fausto, é todo um conjunto de talentos, incluindo a sua capacidade de escrever letras brilhantes.  Isso é bem claro no álbum “O Despertar dos Alquimistas”, onde Fausto volta a viajar mentalmente para um outro tempo.

É às viagens que volta, mas que tem um português ao volante, Fausto Bordalo Dias. Mais habituado a mares, o cantor encontra o asfalto na canção 'Prego a Fundo', onde aquecem radiadores e estalam panelas, do álbum pela Europa fora de título “Para Além das Cordilheiras”.

Essa trilogia da lusitana diáspora iniciada pelo álbum “Por Este Rio Acima” é completada em 2011 pelo álbum duplo “Em Busca das Montanhas Azuis”.

“Crónicas da Terra Ardente” é o segundo disco desta trilogia e é nova obra homérica ao gosto de Fausto que com o seu coro de marinheiros canta sobre temporais, um mar ainda mais tenebroso e mesmo o naufrágio e o salve-se quem puder.