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Gonçalo Palma
28 junho 2024, 01:30
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Toquinho: odes e progresso

Toquinho: odes e progresso
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Gonçalo Palma
28 junho 2024, 01:30
No Tivoli, cantou-se uma biografia em seis linhas... de cordas.

Nesta noite no Tivoli (em Lisboa), Toquinho girou num simples compasso uma imensa curva norte-sul pelo Brasil iconográfico das memórias, do nordeste de Luiz Gonzaga ao sul urbano de Tom Jobim e de Chico Buarque, numa série de evocações que incluíram ainda João Gilberto, Baden Powell, Paulinho Nogueira e até o arquiteto Oscar Niemeyer e o cineasta Glauber Rocha, símbolos de um Brasil de vanguarda mundial.

Mas a personagem principal das histórias de Toquinho foi, e só podia ser, o poeta Vinícius de Moraes, seu companheiro musical durante dez anos. Toquinho foi no Tivoli biógrafo, historiador, cantor e um autêntico Carlos Paredes do violão, num domínio raro e prodigioso das seis cordas do instrumento que tornou o concerto mais especial. 

A secção rítmica - com dois músicos brasileiros radicados na Europa, Mauro e Dudu - parecia um fato desajustado para o corpo de Toquinho. E foi em trio que Toquinho avançou para uma sambada instrumental, depois de ter recordado alguns episódios em Lisboa, incluindo com o ator italiano lendário Marcello Mastroianni. Depois cola em díptico as duas primeiras músicas que conseguiu tocar na sua vida, Corcovado e Garota de Ipanema, duas imortalidades de Tom Jobim.

No capítulo seguinte da autobiografia ao vivo de Toquinho, é revivido o momento em que Chico Buarque o chama para dar 30 concertos em Itália, que era afinal um logro para Chico não estar sozinho no seu exílio no país transalpino. A história estava tão boa quanto o Samba de Orly, que Toquinho interpretou depois de recordar o momento em que Vinícius quis forçar a co-autoria com Chico Buarque, com os únicos versos que foram eliminados pela censura.  

Na segunda metade do concerto entra a voz da cantora Camilla Faustino, que é uma presença exclamativa e de maior fôlego jovem, a contrastar com o cante mais resguardado e suave de Toquinho.  

Toquinho citou depois a opinião de Caetano Veloso sobre João Gilberto - "nunca ninguém com tão pouco transformou tanto" - como rampa de lançamento para o clássico fundador do bossa nova, 'Chega de Saudade', que inspirou Camilla Faustino para um número leve de dança. Toquinho enalteceu depois Amália Rodrigues, "essa força portuguesa incrível", ao cantar 'Saudades do Brasil em Portugal', uma espécie de fado açucarado, que Vinicius de Moraes estreara numa tertúlia gravada na casa da "rainha do fado", em finais dos anos 60. 

Antes do encore, e já a descolorir, esteve a versão de 'Aquarela', sem as cores vivas e a magia da gravação de estúdio original. A interpretação de 'Carinhoso' de Pixinguinha fecha o segundo encore e o concerto de hora e meia.  

Foi, no fundo, uma viagem do público do Tivoli à sua zona de afetos, pilotada por Toquinho.